segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

EM SANTIAGO: QUARTA-FEIRA DE CINZAS: DIA DE JEJUM OU DIA DE FESTA?


    É do comum conhecimento que a quarta feira de cinzas é o dia que a Igreja, em todo o mundo, assinala o começo da quaresma, quarenta dias de preparação para a festa da paixão, morte e ressureição de Jesus Cristo. É também sabido que, no dia de quarta feira de cinzas, a Igreja assinala esse início com uma celebração de imposição de cinzas, sendo um dia de jejum e abstinência.
    Porque é que, na ilha de Santiago, esse dia, desde há muito, e cada vez mais, tornou-se um dia de grande festa, de grandes comidas e bebidas, indo contra o espírito de jejum e abstinência proclamado nesse dia para toda a Igreja?   
    A este respeito deixo aqui um pequeno excerto de um artigo publicado em 2009 no  jornal “Expresso das Ilhas”:
De facto espanta aos habitantes das outras ilhas a quantidade de géneros alimentícios que se ingere em Santiago, justamente no dia em que se devia jejuar. Neste dia não deve faltar em nenhuma mesa o peixe seco, cúscús com mel e outros produtos da terra. Como se explica a perversão, na ilha de Santiago, do sentido religioso desta festa que marca o início da Quaresma, um período de jejum de 40 dias que serve de preparação para a solenidade da Páscoa, a festa máxima dos cristãos.
Para o investigador da cultura cabo-verdiana, José Maria Semedo, a explicação deste fenómeno, que se situa unicamente na ilha de Santiago, tem origem na Idade Média. Durante o período de penitência que ia das Cinzas até à Páscoa, só se comia coisas pobres e numa única refeição diária. Depois formou-se a tradição em fazer no dia de Cinzas penitência em não comer coisas caras e o excedente financeiro distribuído aos pobres. "Daí que na nossa sociedade escravocrata, os proprietários não comiam carne nesse dia e davam aos escravos repasto abundante. Sem carne é certo, mas em grande quantidade peixe seco, verduras, etc",
explica José Maria Semedo.
Aqui em Cabo Verde, sobretudo na ilha de Santiago, numa tradição que remonta à época escravocrata, Cinzas assumiu-se como um dia em que os proprietários dos escravos evitavam de comer em plenitude e ofereciam aos seus escravos o máximo de comida possível. Mas, à semelhança das outras ilhas onde não se estabeleceu a tradição do pantagruélico repasto, a regra era a mesma: uma única refeição diária. O excesso, conforme José Maria Semedo é para compensar em quantidade a penitência. "Isso justifica um pouco o volume, porque no dia de Cinzas, também na ilha de Santiago, só se come uma vez. Mesmo para os que tomam a festa como o dia de encher o bandulho, só comem, nesse dia, entre as duas e as três da tarde e acabou. Só irão comer no dia seguinte". Quem comer duas ou três refeições diárias, está a desvirtuar completamente a tradição, explica o investigador”.
Depois desta possível esplicação, várias questões se levantam: Será que tudo isto não culide com o sentido penitencial proclamado pela Igreja para todos os quatro cantos do mundo? Porque é que na ilha de Santiago, os cristãos, neste dia, se auto-dispensam de jejuar e de fazer abstinência? Porque é que em algumas partes da ilha de Santiago, as Autarquias estão a aproveitar esta ocasião para promover autênticos festivais de gastronomia e afins? Qual deve ser a posição dos nossos cristãos e da nossa  Igreja? Será que o nosso Pastor não deveria ter aqui uma palavra de alerta e de chamada de atenção sobre este assunto? Como ajudar os cristãos a serem fiéis, não às tradições ditas “culturais”, mas ao verdadeiro espírito desse dia?
Tudo perguntas para nos ajudar a reflectir e a pensar no verdadeiro espírito da quarta feira de cinzas, início de tão importante tempo para a Igreja, a quaresma.
Pe. Nuno Miguel, Cssp

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